Querido Papai Noel,
Eu não acredito mais em você.
Essa verdade não significa dizer que deixei de gostar da sua figura. Da sua tradução em vermelho e branco, da sábia barba imaculada, e que arrematada aos cadarços dos coturnos negros, lhe emprestam o charme bondoso de um romântico soldado punk.
Meu problema é que apesar de não acreditar em você, não supero o desejo de querer. Porque eu quero acreditar de forma visceral, como o sangue engordurado de rabanada que me corre nas veias, mas acho que já não consigo. Elas estão muito entupidas e o Natal é minha arriscada ponte de safena.
Talvez seja a falta de timing que nos distancia, Papai Noel. Agora, você já começa a aparecer quando nem bem terminou outubro, e até dezembro já não suporto a hipótese de você existir. Talvez seja o fato do senhor ser duas caras: de me convidar para sentar ao seu lado no banco do shopping e depois, sem nenhum motivo, ignorar-me quando lhe cumprimentei no ônibus:
− Agora, não. Estou trabalhando e desço logo na próxima parada. − Isso não era coisa para ser dita! Sobretudo para mim, que na correria da vida, ainda lhe considero o tempo de pendurar as meias.
A realidade é que você não anda fazendo o seu trabalho direito. Tentei compensar sua improdutividade remetendo-me presentes, que eu mesma comprei on-line e sem culpa ou vergonha na cara, coloquei debaixo da árvore que me ataca a rinite. Mas isso não disfarça o fato de que andam por aí alguns adultos, e até crianças, sem a magia da infância para aproveitar o Natal.
Eles se comportaram. E eu também me comportei. Mas o senhor fez o quê, até agora? Desvalorizou as frutas cristalizadas do panetone e vulgarizou a delicadeza do mundo em um enjoativo chocotone, quando podia focar em desenvolver a iguaria em versão low carb.
“HO HO HO” o caramba, que foi muita falta de modos da sua parte. Como consequência, há uma comunidade de coelhinhos da Páscoa procurando o sentido da vida e fazendo uso de medicamentos para dormir. Considere o conselho de marketing, e doe o cachê da Coca-Cola aos refugiados. Eles merecem, mais que o senhor.
Será difícil encontrar cenouras orgânicas para as renas, mas compensarei substituindo seu leite por uma taça de vinho, das grandes. E porque Natal é generosidade, aproveito para lembrar-lhe de que, apesar de não entrar em nenhuma roupa 38, ainda me recuso a usar 40.
Espero que a carta chegue a tempo de lhe sensibilizar que todos os presépios, luzes, embrulhos e parcelas do cartão de crédito não serão suficientes: meu coração só vai alcançar a badalada mais alta do Natal se puder voltar a acreditar em você, na presença certa de Paz na Terra e nos homens de boa vontade.
E na comunhão das mulheres, dos familiares e desconhecidos, santos e arrependidos. Que possam se presentear com a coisa mais bela que há no mundo, que é a confiança depositada na entrega de acreditar.
Dê um beijo aos elfos, por mim.
Feliz Natal, de quem nunca lhe deixará morrer,
A minha criança.
Autor(a): Alice Maria de Medeiros
Voltar