Medicamento para aumentar a libido feminina na menopausa é aprovado nos EUA

Medicamento para aumentar a libido feminina na menopausa é aprovado nos EUA

Médica e pesquisadora Fabiane Berta explica que o prazer feminino é legítimo em qualquer idade

 

Por muito tempo, a narrativa foi repetida quase como um mantra nos consultórios de que depois dos 40 ou 50 anos, o desejo sexual feminino diminuiria naturalmente e caberia à mulher aceitar. Segundo a médica e pesquisadora Fabiane Berta, especialista em menopausa, essa explicação confortável nunca foi científica. Foi cultural.

 

“O que chamaram de normal era, na verdade, negligência médica”, afirma Fabiane. Enquanto homens tiveram acesso a múltiplas terapias para disfunção sexual ao longo de décadas, mulheres na pós-menopausa com perda de libido foram orientadas a lidar com o problema em silêncio. “Isso criou uma geração inteira convencida de que perder o desejo era parte obrigatória do envelhecimento”.

 

A ciência, porém, conta outra história. Existe um diagnóstico bem definido, o Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo (HSDD), caracterizado pela falta persistente de desejo que causa sofrimento real. De acordo com a pesquisadora, entre 40% e 55% das mulheres após a menopausa podem apresentar esse quadro. “Não é preguiça, não é fase, não é desinteresse afetivo. É neurobiologia.”

 

Até recentemente, o dado mais chocante não era a prevalência do problema, mas a ausência de tratamento. Nenhuma medicação havia sido aprovada especificamente para mulheres na pós-menopausa com HSDD. “Isso diz muito sobre quem a medicina escolheu escutar e quem ficou esperando”, analisa.

 

Esse cenário acaba de começar a mudar, quando a agência regulatória americana Food and Drug Administration (FDA) aprovou, este mês, a flibanserina (Addyi) para mulheres na pós-menopausa com menos de 65 anos. A decisão veio dez anos após a liberação do medicamento para mulheres na pré-menopausa. “Demorou uma década para que a ciência institucional reconhecesse algo simples, mulheres depois da menopausa continuam sendo mulheres com desejo”, diz a especialista.

 

A médica explica que diferente do que muitos imaginam, a flibanserina não é um hormônio. Ela atua diretamente nos neurotransmissores cerebrais ligados ao desejo sexual, aumentando dopamina e norepinefrina e reduzindo o excesso de serotonina. “É um ajuste fino do sistema que regula o querer. Não cria desejo do nada, mas reequilibra o que estava desorganizado”, destaca Fabiane.

 

Os estudos clínicos que embasaram a aprovação envolveram mais de 2.400 mulheres e mostraram melhora consistente com aumento no número de eventos sexuais satisfatórios, resposta a partir da quarta semana e mais da metade das participantes relatando melhora significativa do desejo. “Não é solução mágica, nem funciona para todas. Mas é ciência aplicada onde antes só havia resignação”.

 

Ainda assim, o tabu persiste. Falar de sexualidade feminina após os 50 anos segue sendo desconfortável, social e medicalmente. “A mulher madura é empurrada para um papel de cuidadora, avó, alguém que já ‘resolveu’ a vida. Como se isso incluísse arquivar a libido”, observa a médica. Para ela, essa lógica ignora um ponto central de que desejo sexual é saúde, autoestima e qualidade de vida.

 

A especialista faz um alerta: “O tratamento não é indicado para qualquer queixa ocasional de diminuição de interesse sexual. Ele se aplica a casos bem diagnosticados de HSDD, quando há sofrimento e exclusão de outros fatores, como depressão não tratada, problemas de relacionamento ou efeitos colaterais de medicamentos. Também exige cuidados, como evitar o consumo de álcool e respeitar a posologia noturna”.

 

Além de uma nova opção terapêutica, Fabiane Berta vê a aprovação como um marco simbólico. “Não estamos falando apenas de uma pílula, mas do reconhecimento de que o prazer feminino é legítimo em qualquer idade.” Para ela, o maior avanço é tirar o desejo da categoria do “é assim mesmo”.

 

A reflexão final da pesquisadora é direta. “Se a menopausa não encerra a sexualidade, também não deveria encerrar o direito de escolha. As mulheres esperaram demais para serem ouvidas. Agora, precisam ocupar esse espaço no consultório, na ciência e na própria vida”, conclui.

Sobre Fabiane Berta

Fabiane Berta é médica e pesquisadora (CRMSP 151.126), integrante do Science Medical Team – OB-GYN Specialist. É mestranda no setor de Climatério | Menopausa e pesquisadora adjunta no setor da Endometriose | Dor pélvica pela UNIFESP. Possui pós-graduação em Endocrinologia, Neurociências e Comportamento. É fundadora do MyPausa, iniciativa que propõe um registro nacional da menopausa nos 27 estados do Brasil para promover uma reforma na saúde feminina, com foco em acessibilidade a tratamentos atualizados e respeito à diversidade regional. Atua como PI sub e chefe do Steering Committee do Estudo MyPausa (Science Valley) e como coordenadora da Saúde Feminina para a Arnold Conference 2026.



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